Aqua régia: propriedades e aplicações no processo de refino
Altamente corrosiva e muito volátil, a aqua régia (do latim, “água real”) é um composto químico formado a partir da mistura dos ácidos clorídrico e nítrico na proporção de 3:1 (em volume), respectivamente. Seu uso é documentado a partir do século XIV, em experimentos conduzidos por alquimistas e químicos da época que buscavam compostos como a pedra filosofal, o solvente universal ou a transmutação de elementos. Já na química atual, esse reagente é muito utilizado em procedimentos analíticos como responsável por abrir/digerir amostras, em processos galvânicos ou como produto de limpeza de vidrarias de laboratórios contaminadas com compostos orgânicos ou metálicos.
Obtenção e características
Conforme mencionado anteriormente, para produzir aqua régia é necessário apenas misturar dois reagentes: o ácido clorídrico (HCl) e o ácido nítrico (HNO3). Esses ácidos – que são fortes e são misturados em sua forma concentrada – são adicionados em uma proporção em volume de 3 HCl para 1 HNO3, ou seja, se quisermos preparar uma solução de aqua régia e dispomos de 3 mL de ácido clorídrico, necessitamos de mais 1 mL do ácido nítrico para completar o processo.
Outra característica importante da aqua régia é seu poder oxidante e corrosivo, proveniente da mistura ácida que a forma, e tais características a torna um produto químico perigoso, que deve ser manuseado em locais apropriados e com a devida proteção (óculos de segurança, jaleco e luvas). Assim, o seu diagrama de Hommel (Figura 2), utilizado para mostrar as propriedades e os riscos de uma substância em uma escala numérica de 0 a 4, possui os seguintes parâmetros:
- Perigo para saúde (azul): risco nível 3, que caracteriza um produto severamente perigoso e danoso.
- Inflamabilidade (vermelho): risco nível 0, que caracteriza um produto que não entra em ignição.
- Reatividade (amarelo): risco nível 2, que caracteriza um produto que realiza uma reação química violenta quando é exposto a pressões ou temperaturas elevadas.
- Riscos específicos (branco): é um produto corrosivo.
A reação envolvida na obtenção da aqua régia envolve dois ácidos incolores, o que gera, inicialmente, uma mistura também incolor. Contudo, após alguns segundos, nota-se a mudança de coloração para um amarelo/laranja característico desse composto, e isso se dá pela formação de cloreto de nitrosilo (NOCl), conforme mostra a equação química abaixo.
Além disso, a reação química acima nos mostra, ainda, que ocorre o desprendimento de gás após a reação dos ácidos clorídrico e nítrico. A volatilidade dos produtos dessa reação gera perdas no sistema, o que diminui a “potência” e a reatividade da aqua régia, já que a decompõe. Assim, por esse motivo, este reagente deve ser preparado momentos antes de seu uso, já que o seu armazenamento pode ocasionar alteração no conteúdo químico do frasco (ou seja, quando for utilizado não reagirá da forma esperada) e causar danos ao material em que foi armazenado, caso esse não tenha sido escolhido de forma ideal.
Vale destacar, também, que o manuseio da aqua régia deve ser realizado sempre em uma capela de exaustão, já que os gases liberados podem reagir com o oxigênio do ar e formar dióxido de nitrogênio (NO2), um gás altamente tóxico de coloração amarronzada. A reação em questão pode ser observada na Figura 4 abaixo.
A aqua régia no processo de refino de metais
Uma das características mais marcantes da aqua régia é a sua capacidade de dissolver metais nobres (que são pouco reativos) com facilidade. Logo, o ouro, a platina e o paládio sólidos podem ser convertidos em solução quando esse poderoso reagente é utilizado. A principal explicação para a dissolução desses metais nobres pela aqua régia se dá pela atuação em separado dos dois ácidos constituintes, que realizam a oxidação do metal e a “captura” dos cátions em uma molécula solúvel (função dos ácidos nítrico e clorídrico, respectivamente). A seguir, explicaremos de forma mais detalhada esse processo, mostrando também as reações químicas envolvidas.
Dissolução do ouro por aqua régia
A etapa de dissolução de ouro ocorre após a retirada de toda prata do sistema, realizada a partir da adição de ácido nítrico. Assim, como o ouro não reage com esse ácido, a mistura apresenta duas fases (o ouro sólido e a solução de nitrato de prata) que são separadas por filtração à vácuo.
Feito isso e garantindo a retirada de todo resquício de prata, o ouro sólido restante é tratado com a aqua régia. Para tanto, costuma-se utilizar 3 mL de HCl para cada grama de ouro. Porém, sabe-se que o ouro também não reage com o ácido clorídrico e, portanto, a adição do ácido nítrico se faz essencial. A adição deste ácido deve ser feita aos poucos, e normalmente é utilizado 1 mL para cada grama de ouro.
Em seguida, com a adição dos ácidos que compõem a aqua régia, a reação tem início: o ácido nítrico oxida uma pequena parcela do ouro sólido, transformando-o em Au3+, que reage, então, com o ácido clorídrico, responsável por “doar” ao cátion metálico os íons cloro, formando um íon complexo de ouro solúvel de coloração laranja intensa denominado íon tetracloroáurico, conforme mostram as Figuras 5 e 6.
Como a reação entre os cátions de ouro e os cloretos é uma reação em equilíbrio que favorece a formação de [AuCl4]-, cada vez mais íons Au3+ são liberados no sistema a partir da oxidação promovida pelo ácido nítrico. Logo, ao final do processo, todo o ouro se encontra em solução e o processo de refino pode ser continuado. Todo esse processo pode ser observado na Figura 7.
Esse processo ocorre de maneira análoga nas etapas de dissolução dos outros metais, como platina e paládio, visto que a função da aqua régia em ambos os casos permanece inalterada.
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Por Sabrina Santana Klabacher
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